Escrito por: Giovanna Silva (xoofs)

Este trabalho apresenta a minha percepção sobre como uma comunidade virtual interage em relação à liberdade dentro de um ambiente de um jogo, como o Minecraft. E também, irá apresentar o que é o jogo, a perspectiva que tenho, o modo como outras pessoas interagem e as diferenças que há entre o mundo virtual e o real. Para a realização, o método de elaboração da observação-participante foi bastante interativo, pois estou diretamente integrada com o caso de estudo. Dessa forma, o objetivo é que seja claro a partilha, na medida em que sejam melhor perceptíveis a atividade e os seus interesses, e também os afetos dessa comunidade virtual que convivo.

Minecraft é um jogo em que as pessoas podem construir coisas com blocos, em um mundo virtual aberto e livre pra explorar, que tenta se assemelhar ao real. No jogo, é preciso minerar e coletar recursos para construir coisas – ou para sobreviver. Ele é conhecido por ser um jogo “sandbox”, porque funciona mesmo como caixa de areia, em que o único limite para o jogador é a própria imaginação e a prática. O Minecraft é um dos jogos mais jogados da história desde o dia do seu lançamento, e o segredo desse jogo é a liberdade que ele dá às pessoas para construir praticamente tudo e fazerem o que elas quiserem dentro desse mundo, e é o que faz ele ser tão popular com jogadores de todas as idades. Posto isso, existem dentro do Minecraft vários tipos de “servidores”, ou seja, é como se fosse uma comunidade dentro do jogo, ou um grupo com os mesmos interesses que jogam em um mesmo mundo, e dentro deles tem infinitas possibilidades de acontecer tudo.

Eu jogo em um servidor bastante específico, ou seja, existe nesse mundo regras estabelecidas, economia própria, propriedades privadas e toda uma comercialização entre os jogadores. Com isso, podemos criar cidades como quisermos, se queremos construções de todos os tipos e jeitos imagináveis. Mas o que faz esse jogo mais interessante ainda, é a possibilidade de podermos socializar com pessoas do mundo inteiro e com diferentes idades.

A grande liberdade que o jogo proporciona atrai uma grande quantidade de pessoas, que se sentem à vontade para fazerem o que quiserem, desde construir uma simples casa, até destruir uma montanha por completo, ou explodir a maior área possível. Há grupos de jogadores que já reproduziram cidades inteiras dentro do jogo, enquanto há pessoas que buscam apenas criar um mundo e sobreviver o máximo possível e, por vezes, com os amigos também. Porém, essa liberdade em um grupo de amigos é muito divertida, mas quando isso se expande para um grupo de mais de 50 pessoas, como é no servidor em que eu jogo, as coisas começam a se complicar um pouco, principalmente por causa da anonimidade e da falta de consequências reais às pessoas.

O problema da liberdade absoluta está exatamente quando a situação envolve mais de uma pessoa. Se eu criar um mundo no modo “um jogador”, eu posso fazer o que eu quiser e apenas eu vou me afetar com o que acontecer neste mundo. Entretanto, em um servidor com várias pessoas, algumas querem construir uma cidade, outras querem caçar monstros, outras querem fazer as mais diversas coisas possíveis, e isso pode interferir na liberdade uns dos outros, porque o espaço em que essas atividades vão se realizar é o mesmo. Portanto, mesmo em um jogo sem consequências, ainda são necessárias regras que limitem a liberdade das pessoas, para que uma não interfira na liberdade da outra, como acontece na vida real.

Mesmo com estas regras em vigor, ainda sim a anonimidade existe e só se pode considerar que há consequências reais às pessoas quando elas já gastaram muito tempo no servidor, pois além disso, não acredito que existam consequências reais. Isso pode gerar uma espécie de Síndrome do Super-Homem, que tem surgido entre os mais jovens que vivem em um mundo onde doenças que antes eram muito perigosas, hoje possuem vacinas, remédios, ou tratamentos que trazem uma segurança e uma sensação de que não há mais riscos muito altos, o que faz com que as pessoas se sintam super-heróis. Se esse conceito for trazido para o mundo virtual, jogos como o Minecraft, em que praticamente tudo é possível, fazem com que as pessoas se sintam super-heróis e, principalmente as crianças, que ainda não formaram completamente sua personalidade, podem sofrer problemas relacionados ao ego e à autoestima.

Além disso, a fiscalização também se faz, por vezes, necessária. A fiscalização acontece geralmente com pessoas mais novas, que ainda não possuem a confiança de ninguém da comunidade, e quem fiscaliza é o administrador do servidor, foi quem criou o servidor e inseriu todas as regras que hoje existem nele. O administrador, ao descobrir que uma pessoa está se aproveitando de alguma falha do jogo para se beneficiar pode bani-lo para sempre do servidor. Portanto, nesses dois casos há consequências dentro do jogo para as pessoas que não seguem as regras.

Acredito que a ética é um pilar mais importante para o funcionamento pacífico dessa sociedade, mas a fiscalização também se faz importante em muitos casos.

Com a criação desta comunidade, nós nos tornamos amigos próximos, mesmo que morando a milhares de quilómetros uns dos outros. Então, nós realizamos eventos no servidor para interagirmos no espaço comum que temos, que é o espaço digital. O maior evento foi na semana da Páscoa, em que o administrador escondeu vários ovos da Páscoa em três cidades diferentes do servidor, e as pessoas que encontrassem todos os ovos ganhariam prémios especiais do evento. Conforme o evento acontecia, as pessoas formaram grupos para se ajudarem a procurar os ovos, mesmo que pudessem se beneficiar no futuro com os prémios exclusivos, a diversão de caçar em grupo e encontrar todos os ovos valeu mais a pena. Isso nos fez interagir mais com as pessoas e com o espaço das cidades que construímos, que muitas vezes nós negligenciávamos. Eventos como o da Páscoa uniram ainda mais as pessoas dessa comunidade, que estava um pouco afastada devido a problemas pessoais de cada um.

Transferindo essas noções de ética, a existência de comunidades e a vigilância tanto pelos cidadãos, quanto pelas autoridades para a vida real, isso configura cidades muito seguras boas para se viver, mesmo que todos saibam que há falhas, as pessoas não se aproveitam delas por não necessitarem e porque sabem que podem ser afastados da comunidade por isso. Portanto, acredito que mesmo com tanta liberdade, nós sempre vamos buscar um equilíbrio entre liberdade e restrição para que a sociedade funcione da melhor forma para todos.

Figura: demonstração de como é o Minecraft, 2022.